A agulha do portismo inconformado está a mudar: após o relativo consenso nascente do facto de a nossa equipa estar mal treinada e mal orientada (segundo as palavras do presidente, “quem assim pensa não percebe nada de futebol”), agora a tendência no Dragão é diferente e passa por culpar os jogadores. Que são uns mimados, uns vendidos, uns meninos birrentos, que não querem ganhar...
Até já há ranking de jogadores a despachar: Álvaro está a fazer frete, a seguir é Rolando, Moutinho em terceiro, Fernando também quer sair... e etc. Daí até se pedir sangue, com uma exemplar “limpeza de balenário”, é um passo. Como sempre. Ainda me lembro da limpeza que era “imperiosa” fazer no tempo de Jesualdo. Depois saiu Jesualdo e chegou um bom treinador, e (basicamente) a mesma equipa passou a brilhar onde antes se arrastava, e cada jogador parecia transfigurado.
Os resultados continuam a demonstrar a teoria: saiu o bom treinador, chegou um mau. E (basicamente) os mesmos jogadores parecem agora baços, contrariados, incompetentes e desmotivados. Mudaram de capacidades, mudaram de personalidade? Porque estão eles, afinal, tão contrariados?
Sejamos claros. Os jogadores de futebol, generalizando, são putos mimados de egos inflacionados que não primam pela paciência ou pela hombridade. Mas se há coisa de que eles têm consciência é da curta duração da sua carreira, e da necessidade de não perder tempo para subir a montanha.
Assim, não há jogadores que se queiram prejudicar a eles próprios, e ao clube que lhes paga, durante uma época inteira só por estarem amuados por não saírem. Isso significaria um auto-atentado aos seus próprios interesses (se Rolando valia 15 milhões para a Juventus há poucos meses, hoje talvez valha 7 para o Génova ou algo assim). E eles sabem disso.
O problema é que os jogadores não são máquinas, e o futebol não é uma fórmula. Mais importante ainda, o futebol é um desporto coletivo, com tudo o que isso implica. E as grandes equipas, aquelas que ganham, são aquelas em que o todo é superior à soma das partes. Ora, o FC Porto atual tem grandes jogadores, mas o seu total como equipa é inferior à soma das partes. Essa parte, a da construção do cimento da equipa, é a parte da equipa técnica. E a nossa é incompetente para o fazer.
Os últimos dois jogos contêm vários exemplos daquilo que quero dizer. A vitória contra o Benfica foi conseguida à custa de muito querer e motivação individual – a tal que supostamente falta a muitos dos nossos jogadores... -, mais do que de um sólido jogo coletivo alicerçado num plano de voo claro e definido. Esse plano de voo, de forma gritante, não existia contra a Académica. Mais do que desmotivados, os nossos jogadores não sabiam o que fazer para contornar a muralha academista; em compensação, a Académica sabia exatamente o que fazer para contrariar o FC Porto (o que nem é difícil – jogamos sempre da mesma forma, com os jogadores nas mesmas posições). A segunda parte, correndo à desfilada atrás do resultado, voltou a negar a teoria da desmotivação: os jogadores que estavam ali queriam muito ganhar o jogo – simplesmente não sabiam bem o que fazer para o conseguir. A qualidade está lá, mas não é utilizada. E a motivação, essa, nem se fala: basta ouvir uma conferência de imprensa de Vítor Pereira para saber que as suas palestras de balneário devem ser proibidas pela Convenção de Genebra.
Claro, há também outra teoria explicativa daquela primeira parte inenarrável frente à Académica vs. uma segunda parte caótica, mas elétrica: tem a ver com salários. Mas sinceramente, acredito que tal não passe de especulação venenosa.
Excelente e 100% de acordo. Gostava só que tivesses ido um pouco mais fundo: qual o papel da Administração neste contexto que descreves na perfeição? As constantes visitas de PdC ao Olival, as vezes que ele admitiu falar directamente aos jogadores deixam perceber que o Presidente também já percebeu as limitações que descreves?
ResponderEliminarSerá ele a fazer a palestra para o decisivo jogo contra o Nacional?
Se assim fosse, confesso que iria ver o jogo bastante mais confiante.
Bom artigo, concordo em pleno.
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