quinta-feira, 14 de março de 2013

A brincar com a tropa

Acho que este é um clube formidável. Porque só um clube formidável, muito sólido, aguentaria todos os atentados que lhe têm sido cometidos.

Mas mesmo as melhores organizações não resistem incólumes a camadas consecutivas de incompetência. E é chegada a hora de pagar, porque como eu e o meu amigo Nuno bem sabemos há anos, a Liga dos Campeões é a prova de fogo. É a prova do algodão. É o que separa os homens dos meninos. É o que separa os ratos dos homens. Podes andar a enganar muita gente durante muito tempo, mas ali não enganas, e raramente tens uma segunda oportunidade.

Vítor Pereira, um tipo com bons padrinhos que tem as grandes qualidades de saber ficar caladinho e saber moldar as suas ideias às ideias de quem manda, teve a sua segunda oportunidade, algo que já não merecia depois de ter cometido a proeza de perder fora e empatar em casa com o Apoel Nicósia. Mais uma vez, naturalmente, obviamente, desperdiçou-a, como desperdiçará uma espúria eventual terceira que os venais homens da sombra considerem conveniente conceder-lhe.

Chegou a hora de pagar. E pagámos, dolorosa mas tardiamente. É estranho ter de chegar tão longe – porque bem vistas as coisas, sempre é mais longe que no ano passado ou no ano do holandês ditador – para pagar o facto de não haver construção de jogo, mas pagámos. Não temos fio de jogo, não temos futebol, não sabemos o que fazer para marcar golos e ganhar jogos, e isso mais cedo ou mais tarde, subindo ligeiramente o nível de dificuldade, paga-se. Só agora estamos a pagar o facto de os jogadores andarem perdidos em campo, sem nunca estar esclarecidos sobre o que fazer em cada situação, mas isso não é hoje - antes se vai agravando. Só agora pagámos o facto de os jogadores se irem eclipsando de forma, paulatina e inexoravelmente, um a um, mas alguma vez isso teria de acontecer. Só agora pagámos o facto de a cada substituição ordenada do banco a equipa perder geralmente coesão, sentido, tino, equilíbrio ou o que quiserem chamar-lhe. Temo-nos aguentado de forma admirável contra esse ligeiro handicap.

Pagamos o facto de entrarmos com um 11 diametralmente oposto ao das conferências de imprensa ex ante – quanto mais estas são arrogantes e cheias de bravata, mais defesas e médios adaptados a ala aparecem para defender o 0-0 no campo. Pagamos a cobardia, pagamos a falta de coragem, pagamos a falta de estatura para a cadeira de sonho. Pagamos finalmente o facto de nunca se terem visto tantas lesões musculares numa só época no FCP, e também pagamos, para arredondar a conta, as novas lesões musculares provocadas por se utilizarem jogadores desnecessariamente muito antes deles estarem recuperados para jogar (olá James, olá Moutinho).

A justiça tarda mas não falha, mas pagámos e pagaremos por anos e anos de contratações feitas com o propósito primário (e em alguns casos único) de encher os bolsos aos comerciantes de carne branca, que é como diz os negociantes de jogadores. Pagámos o facto de na primeira vez que apertaram a sério connosco, nós termos como opções de banco dois pré-reformados caríssimos que não são deste filme, mais um grande jogador (Lucho) cuja pré-reforma também já não lhe permite meter-se em escaramuças. Pagámos ainda para ver  um guarda-redes em pré-reforma comprovar pela enésima vez o princípio de Peter. Pagámos por sermos obrigados a jogar sempre com um lateral direito de 17 milhões de euros que joga pior que o outro que ofereçemos ao Sporting (a propósito, pareceu-me que um dos laterais malaguetas chegou há dois meses do Paços de Ferreira, mas de certeza que devo estar enganado). Pagámos também, não tenham dúvidas, a falta do espírito do FC Porto, de uma (várias) vozes de comando calejadas em batalhas de infância pela camisola azul-e-branca, de jogadores que sejam dos nossos e não apenas mercenários incapazes de encontrar no fundo deles mesmos forças para se superarem, qual Jorge Costa em Belém ou Pedro Emanuel em S. Siro. 

Pagámos finalmente o desencanto de quem sabe ser esta a derrota dolorosa que tanto vinha sendo adiada, e pagámos o contorcionismo e a cegueira de quem apoia incondicionalmente pessoas altamente danosas para o clube e a sua sustentabilidade desportiva e financeira. Continuem assim. Comprem cachecóis do Vítor Pereira, por exemplo, sempre será mais coerente, tal como ele próprio o é - prometeu que o FC Porto "não sabia defender" e cumpriu, só não acrescentou que também não sabíamos atacar. Alguns no entanto já tinham reparado.

Estamos a pagar um preço alto, porque ele já vem com juros. E há piores notícias: ainda não acabámos de pagar.

3 comentários:

  1. Tremendo post! E eu não sou portista, mas vergo-me perante quem tem esta capacidade de análise e alguma "auto-crítica". Um abraço e parabéns pela pungente prosa.

    Para ler e reler.

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  2. (Mais um) excelente post.
    A propósito, gostava só de sublinhar um facto que me chocou e, creio, passou despercebido a muita gente: o FCP contra o Estoril na 6ª feira passada, E PELA PRIMEIRA VEZ NA SUA HISTÓRIA, jogou com 11 estrangeiros.

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  3. Dom Pedro, isso dará para mais um Post sobre política de contratações, gestão da estrutura, etc.....

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