Esta semana joga-se um Benfica-FC Porto para a liga portuguesa de futebol. Este jogo ("jogo" deixou de ser uma palavra conveniente para o designar; "batalha", "pálio", "justa" seriam muito melhores) é o melhor produto que o desporto português tem para oferecer: põe frente a frente, na modalidade mais popular do mundo, as nossas equipas de topo, as únicas que conseguem sustentadamente competir nos mercados europeus e globais. Tem implicações profundas, não apenas desportivas, mas também culturais, económicas, sociais; deixa poucos indiferentes, criando uma barricada que divide a portugalidade em dois pólos opostos, azul contra vermelho, Norte contra Sul, história contra sucesso recente, dimensão contra garra, e dezenas de outros valores que nos fazem optar por um ou outro lado. Como puro espectáculo desportivo, é também algo especial de se seguir, mas o mais extraordinário está nas paixões que desperta - até porque envolve uma rivalidade de um século construída por muitas histórias - e nas emoções que movimenta - até porque as duas equipas estão empatadas no primeiro lugar e os pontos em disputa, a dez jornadas do fim, são cruciais.
E se este decisivo Benfica-FC Porto fosse também o último da História? A assustadora ideia não é tão improvável como soa. O negócio do futebol está a atravessar tempos de mudança muito rápida, ainda que muitos dos que nele trabalham insistam em enterrar a cabeça na areia. E para os clubes portugueses, essas mudanças não apenas atingem o coração da sua estratégia para competir a nível internacional, como também os apanham numa curva que os torna vulneráveis.
A curva chama-se 255 milhões de euros. Este é o astronómico valor em dívida aos bancos pelos dois clubes no seu conjunto (Benfica 157 milhões, FC Porto com 98). Na conjuntura actual de aperto do crédito, é duvidoso que no momento em que chegue a altura de pagar esta dívida, os clubes consigam encontrar quem lhes empreste mais dinheiro para continuar a chutar a bola para a frente - e se esse crédito for encontrado, será a taxas proibitivas. O FC Porto, por exemplo, pagava 4,39% de taxa de juro em 2010, mas no ano passado esta já era de 6,78%. O Benfica, em 2010/2011, gastou quase 14 milhões de euros só em juros.
Ao mesmo tempo, as regras do jogo mudam. A UEFA vai impôr regras de "fair-play financeiro" que terão como consequência certa baixar o valor das transferências milionárias que constituem a maior fonte de receita dos clubes portugueses. O seu modelo de negócio passa quase exclusivamente por encontrar na América do Sul jovens com potencial, adaptá-los ao futebol europeu e revendê-los com muito lucro, algo que vai mantendo a máquina a funcionar enquanto descaracteriza os clubes: o plantel do FC Porto conta com apenas 4 portugueses em 26 jogadores, o do Benfica apenas 7 em 25 (e nenhum deles titular). A asfixia financeira começa a ser cada vez mais difícil de esconder, no que espelha também a situação do próprio país.
A partida será decisiva em termos desportivos, porque quem perder ficará em segundo - mas este lugar ainda dá acesso directo à salvação chamada Liga dos Campeões. Paradoxalmente, o grande rival dos dois grandes é agora o Braga, que os persegue a apenas 3 pontos: acabar em terceiro e fora da liga milionária poderia significar a curto prazo, para Benfica e FC Porto, a incapacidade de pagar salários. O jogo de sexta relembra as palavras de Bill Shankly: "O futebol não é uma questão de vida ou morte - é algo de muito mais importante que isso".
Sem comentários:
Enviar um comentário