sexta-feira, 23 de março de 2012

10 razões para ter um pouco mais de paciência com o homem: direito de resposta

Caro Semedo,

Bem-vindo a esta mesa.

Interrompo temporariamente o período sabático a que, por razões pessoais, me vi obrigado a confinar nas últimas semanas para responder ao teu primeiro post (do qual, diga-se, gostei muito... apesar de não concordar com nada).

Em primeiro lugar, para dizer que se há motivo pelo qual gosto de me sentar à mesa do nosso Café é precisamente porque raramente estamos de acordo. O que é porreiro (já começava a enjoar dos tempos pré-Café em que estava sempre em sintonia com o BP).

Em segundo, para (te) dizer que...

1 - « É mais difícil sem o gajo que marcava os golos »

É. Especialmente se o homem que treina depois os restantes homens que marcam golos, os que cruzam para golos, os que correm pelos golos e os que evitam os golos der pelo nome de VP. VP perdeu o homem que marcava aqueles golos todos. É certo. Mas não é o primeiro e não será certamente o último. Se não estou enganado, até 96/97 era Domingos o homem que marcava aqueles golos todos. Foi embora e não consta que o treinador que se seguiu tenha tido um futebol tão tristonho como aquele com que VP nos tem presenteado na maioria dos jogos desta época. Em 99/2000 o homem que marcava aqueles golos todos dava pelo nome de Jardel. Saiu. Em 2008/09 era Lisandro. Saiu. Podia também falar aqui do homem que fazia aquelas defesas todas (Baía), o homem que fazia aquelas assitências todas (Deco e Quaresma), o homem que fazia aquelas alas todas (Bosingwa e Cissokho), o homem que fazia aquele campo todo (Meireles), o homem que fazia aquele balneário todo (Lucho), já para não falar dos homens que defendiam aqueles ataques todos (Couto, Jorge Andrade, Carvalho, Pepe, Bruno Alves). Na última década, do FC Porto voaram Falcões ao mesmo ritmo que o Sporting trocava de treinador (um ou dois por ano). É uma realidade que todos os nossos treinadores viveram e VP não foge nem fugirá à regra. O argumento é portanto fraco e, sejamos honestos, não colhe.

2 - Lembro-me do nível do Hulk no ano passado? Lembro pois.

3 - Lembro-me do nível do Guarín no ano passado? Lembro pois.

Belluschi? Lembro. Varela? Lembro. Palito? Lembro. Podia continuar até prefazer a totalidade do nosso plantel (exceção feita , talvez, ao Fernando, mas também pior que aqueles passes suicidas com que nos decidiu brindar no final da época passada era complicado...). Lembro-me também de ver aquele rapazito chamado James evoluir a cada minuto de jogo. O VP lá terá as suas razões, mas fazer deste miúdo arma secreta é uma estranha forma de ver o futebol. Mas adiante.

Semedo, quando um jogador baixa de forma é demasiado pagode ou hamburguer com ketchup (sem pickles). Agora quando são todos...

4 - « Só deram tralha ao VP »

Só lhe deram tralha?! Sejamos sinceros, o homem herdou um plantel que ganhou tudo o que havia para ganhar (e com estilo). Foi o próprio a dizer que não queria estragar tudo aquilo o que tinha em mãos (depreendo que estaria satisfeito com o que lhe caiu do céu).

O Mourinho fez do Nuno Valente e do Postiga jogadores de exceção quando na realidade mais não eram que “tralha”. “Quando o jogador é fraco, até a bola atrapalha”. Ainda não inventaram a mesma expressão para o treinador. É pena, porque ia cair aqui que nem ginjas.

6 - « Perder as taças foi chato, mas acontece »

Acontece. Mas com uns treinadores tenderá a acontecer mais do que com outros. E é isso que estamos aqui a discutir.

7 - « Perder a Liga Europa foi chato, mas acontece »

Acontece sim. Só que como das duas últimas vezes que tinhamos participado a tinhamos ganho, quando a perdemos bate aquela azia a que não estamos habituados. Mas aqui, admito, não é o VP que é mau treinador, os outros dois que a ganharam é que eram bons. E eu sofro verdadeiramente daquele síndrome de não gostar de perder nem a feijões. Pancada minha, pá. Vê lá tu que sou daqueles de achar que para se treinar a nossa equipa não basta não ser mau. É preciso também ser bom.

8 - « Perder a Champions foi chato, mas acontece »

Obviamente que o chato não foi perder a Champions. Chato foi a figura vergonhosa que lá fomos fazer.

8 - « O campeonato não está a ser totalmente mau »

Concordo, não está. O problema é que a equipa simplesmente não joga “à Porto”. No passado, algumas vezes – poucas, muito poucas – por posicionamento especial dos árbitros (dos astros, digo), equipas que não jogam “à Porto” acabaram sendo também campeãs (foi o caso do Benfica em 2009/10 e 2004/05, do Boavista em 2000/01 e, imagine-se, até do Sporting em 2001/02, e por aí fora...). Este será, certamente, um desses anos. A curiosidade que distingue este ano de todos os outros em que isso ocorreu é poder ser o próprio FC Porto a fazê-lo. O que não deixa de ser surreal.

9- « A doença do ‘mais’ »

Mourinho ganhou a Uefa e logo depois a Champions. O FC Porto foi já penta, tetra, e várias vezes bi-campeão. O ano passado ganhámos a supertaça, e depois o campeonato, e depois a Liga Europa, e depois a Taça. O nosso óquei leva já mais anos a ganhar que o meu filho a aturar-me (e vice-versa). No nosso clube e para os nossos jogadores o “mais” nunca foi uma doença. Por que carga de água haviam os sintomas dessa estranha maleita entrar-nos agora porta dentro?

10 - « Podia ser muito pior »

Podia. Mas quero acreditar que para o ano VP sofrerá com o FC Porto exatamente do mesmo sítio em que eu venho sofrendo, e muito, desde que “o homem” se sentou na cadeira de sonho: no seu sofá.

1 (uma) razão para explicar a minha pouca paciência com o homem

O texto que em seguida transcrevo parcialmente é uma carta aberta de Manuel Sérgio a André Villas-Boas e que foi publicada no "jornal" A Bola a 20 de Novembro de 2010. Estavam então decorridas apenas 10 jornadas do campeonato e estavam ainda em prova 48 equipas na Liga Europa.

"Meu caro amigo,

Esta carta parece, velada ou declaradamente, o resultado do mais puro oportunismo: o André é o mais que provável vencedor do Nacional de futebol da primeira divisão e, digo-o sem receio, da Liga Europa (…).

Porque o meu amigo sabe liderar uma equipa, sabe comunicar com os jogadores que a constituem, sabe ler um jogo e vive de uma tensa e intensa vontade de vitória. Está aqui a base do êxito de um treinador de alta competição. (…) Eu vejo o desporto e os desportistas com uma teoria que elaborei e que me norteia. Para mim, esta área do conhecimento, mais do que uma actividade física, é uma actividade humana, onde o físico-biológico se encontra integral mas superado.

No futebol, portanto, o jogador deve desenvolver-se em equipa, sem ser reduzido à equipa. E assim o treinador, nos seus momentos de reflexão, poderá levantar, no mais íntimo de si mesmo, esta questão: qual o tipo de pessoa que eu quero que nasça dos jogadores que lidero? Reside aqui, no meu modesto entender, o momento essencial do treino.

É evidente que os livros de metodologia do treino (e são milhares, por esse mundo além) pouco se apercebem da intrínseca influência da preparação intelectual e moral de uma equipa. E, entre os factores de rendimento, dão ao físico-biológico lugar primacial. Ora, para mim, (…) antes de tudo o mais, o jogador deve acreditar no que faz e transformar-se na expressão da fé que anima todo o clube, desde o mais humilde associado e funcionário até aos membros da direcção. A crença gera biologia. O jogador que acredita que é um dos aspectos fundamentais da alma de um clube tem mais força e mais velocidade e mais resistência e mais impulsão, etc., etc.

Meu querido amigo, não lhe falo de um anseio indefinido ou de uma superstição romântica - falo-lhe do espírito que deve animar um departamento de futebol profissional. (…)

O maior defeito dos técnicos da Fifa e da Uefa é abusarem de uma aturdidora profusão de palavras e sentirem-se incapazes das grandes sínteses que tentam compreender o humano. Ora, o futebol é, repito, uma actividade humana e onde, portanto, a vida tem mais força do que a lógica. Estudar futebol é, sobre o mais, aprender com a vida.
(…)
Por fim, não escondo que o F.C.Porto de Jorge Nuno Pinto da Costa é o melhor seminário para ampliar e aprofundar o muito que o meu amigo sabe e é. Aconteceu o mesmo com o Dr. José Mourinho. Parecendo que não, a história deste clube não é carismática, é estrutural.

Seu,

Manuel Sérgio."

Notas:

1. Manuel Sérgio:

Manuel Sérgio "é licenciado em Filosofia e Doutorado em Motricidade Humana pela Universidade Técnica de Lisboa. É professor Catedrático Reformado da Universidade Humana. Foi Professor Convidado da Universidade Estadual de Campinas, Director do Curso de Motricidade Humana da Universidade Fernado Pessoa. É actualmente Presidente da Direcção do Instituto de Estudos Interculturais e Transdisciplinares /Almada do Instituto Piaget. É sócio fundador da Associação Portuguesa de Motricidade Humana e da Sociedade Internacional de Motricidade Humana. Foi deputado da Assembleia da República. Pensador multifacetado, dedicou uma especial atenção ao fenómeno desportivo e é o principal conceptualizador do Paradigma da Motricidade Humana."

2. Não consta:

- que a 20 de Novembro de 2010 Manuel Sérgio fosse um ferranho adepto portista e que os seus prognósticos (curiosamente certeiros) tenham sido o resultado duma qualquer fervorosa fé clubística.

- que o FC Porto tenha deixado de ser, entre 20 de Novembro de 2010 e 23 de Março de 2012 "o melhor seminário para ampliar e aprofundar" tudo aquilo que um treinador sabe e é

- que Manuel Sérgio tenha dirigido uma missiva similar a Vítor Pereira.

10 comentários:

  1. Como dizia Luís de Camões: "um rei fraco faz fraca a forte gente!"

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  2. O facto de estares de acordo comigo só revela como és um homem de bom senso! Abraço amigo

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    1. Ainda cheguei a mencionar também o Zero. Mas lembrei-me depois das nossas divergências quanto ao c. Rodríguez (eu depois redimi-me), Moutinho (ele depois redimiu-se) e Guarín (continuamos em desacordo). :)

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  3. Realmente, parece não haver maneira de contrariar todas as evidências...
    O único que ainda deixa (muito ligeiramente) a dúvida a pairar no ar é o Presidente. Se continuar a apostar no VP para o ano, vai ser difícil de compreender...mas o Homem "sabe" e "percebe" muito disto!

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  4. boas olha eu so acho que o porto ja nao joga a porto a uns valentes anos esta 4 3 3 com banais jogadores e nao 4 2 1 2 1 ou 3 ou 4 1 3 2 aquele que o Pedroto deixou de heranca

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  5. Olá! Estou esmagado, e até um pouco lisonjeado, por uma demolição tão completa da minha algaraviada. Nada a acrescentar - excepto voltar só a explicar que a minha opinião NÃO é que o VP seja um génio da bola.

    Também gostava de ter lá outro treinador. Também não acho que este fulano seja bom. Acho só que não é assim tão mau como o pintam.

    Nos últimos 25 anos deu-me vontade de defenestrar vários treinadores do FCP - e não só os óbvios, até alguns que foram campeões (o engenheiro Fernando, o Co). Este, este não lhe tenho o mesmo pó. Se calhar é da idade. Ora, tendo dito tudo isto...

    "Vê lá tu que sou daqueles de achar que para se treinar a nossa equipa não basta não ser mau. É preciso também ser bom"

    ...pois é, exactamente.

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    1. Eu, admito, não simpatizava por aí além com o Co e não me entusiasmava com o Jesualdo ainda que lhe reconheça o grande mérito de ter conquistado vários títulos e de ter feito crescer jogadores uns atrás dos outros. Mas este sentimento de defenestração... só mesmo com o VP. :)

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  6. O que e´que o Manuel Sérgio terá a dizer sobre a prestação do traidor AVB no Chelsea?
    É que o adeptos do Chelsea dizem do AVB o que alguns adeptos do nosso clube (provavelmente muitos) dizem do VP...

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    1. Viva Grilo Falante! You are missing the point. A carta aberta do Manuel Sérgio neste meu post não era propriamente um elogio saudosista ao AVB mas antes um enunciar das características que deve ter um treinador e que eu acho que o VP simplesmente não tem.

      Mas para responder à tua "provocação" admito que também desejei o insucesso (concretizado) do AVB no Chelsea. Mas, aqui que ninguém nos ouve, ambos sabemos que se ele falhou no Chelsea não foi propriamente por ser um leigo em futebol.

      De todas as formas fui diretamente à fonte e falei com o Manuel Sérgio, que diz que responde à tua pergunta quando o VP conquistar (em toda a sua carreira, vá) aquilo que o Villas-Boas conquistou num só ano de FC Porto: campeonato, Taça, Liga Europa e, sobretudo, adeptos (mesmo se depois lhes fez uma canalhice do tamanho do ego dum espanhol). ;)

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  7. Excelente ver-te de novo no Café JB! E assino por baixo letra por letra... Estes Semedos são mesmo assim: vê-se que têm técnica, num bom dia levantam um estádio (ou um café!) mas... falta sempre qualquer coisa! :-)

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